Por Dra. Nelzair Vianna, PhD
Pesquisadora em Saúde Pública da Fiocruz
Artigo de referência:
“Invasive pulmonary aspergillosis associated with viral pneumonitis”
Current Opinion in Microbiology (2021)
Dewi et al.
Introdução
A aspergilose pulmonar invasiva (IPA) tem emergido como coinfecção relevante em pacientes com pneumonites virais graves, particularmente associadas a influenza (IAPA) e COVID-19 (CAPA). Diferentemente da IPA clássica, observada em imunossuprimidos, essas formas se manifestam em pacientes sem imunodeficiência de base, mas submetidos a internação prolongada, ventilação mecânica e lesão alveolar aguda.
Tais pneumonites comprometem as barreiras epiteliais e modulam negativamente a imunidade inata, reduzindo a função fagocítica de neutrófilos e macrófagos alveolares. Essa desregulação cria um microambiente favorável à invasão fúngica por Aspergillus spp.
O estudo de Dewi et al. aponta taxas de mortalidade entre 35% e 60% para CAPA, e ainda superiores em IAPA quando há atraso diagnóstico. Essas coinfecções agravam significativamente o prognóstico clínico e impõem novos desafios ao manejo de pacientes críticos.
Objetivo do Estudo
O artigo investigou a associação entre pneumonites virais e IPA, enfatizando aspectos fisiopatológicos, dificuldades diagnósticas e possibilidades terapêuticas, com destaque para intervenções imunomoduladoras.
Relevância da Qualidade do Ar para a Suscetibilidade à Aspergilose em Pneumonites Virais
Ao correlacionar os achados do estudo com fatores ambientais, especialmente a qualidade do ar em ambientes hospitalares, reforça-se o papel determinante do ar interior como vetor e amplificador de risco para IPA.
Aerodispersão de Esporos Fúngicos
Aspergillus fumigatus produz conídios de 2–3 μm que permanecem suspensos no ar e são facilmente inalados até os alvéolos. Ambientes com alta carga de partículas (PM2.5 e PM10), como UTIs com ventilação deficiente, promovem maior exposição ocupacional e hospitalar aos esporos.
Pacientes Críticos como População de Alto Risco
A integridade epitelial comprometida por infecções virais graves torna o sistema respiratório mais vulnerável. Ambientes contaminados — por falhas em sistemas de filtragem HEPA, obras civis ou má manutenção de HVAC — são potenciais fontes de surtos nosocomiais de aspergilose.
Poluentes e Inflamação Pulmonar
Poluentes atmosféricos (NO₂, ozônio, particulados) induzem inflamação crônica, aumentam a permeabilidade epitelial e prejudicam o clearance mucociliar. Esses efeitos sinérgicos mimetizam e amplificam os mecanismos descritos para CAPA, elevando o risco de invasão fúngica.
Efeito Sinérgico das Mudanças Climáticas
A elevação da temperatura e da umidade ambiente favorece a proliferação fúngica e a emergência de cepas resistentes a triazóis. O cenário atual combina fatores ecológicos, sanitários e hospitalares que contribuem para o aumento da IPA em contextos virais.
Recomendações Estratégicas Intersetoriais
Setor | Estratégia Recomendada |
Hospitais e UTIs | Instalação e manutenção sistemática de filtros HEPA; controle rigoroso de obras |
Saúde Pública Urbana | Monitoramento contínuo da qualidade do ar em áreas densamente povoadas |
Edificações Públicas | Adoção de ventilação natural cruzada e controle de umidade interna |
Gestão Ambiental | Regulação de triazóis agrícolas e mitigação de fontes emissoras industriais |
Vigilância Epidemiológica | Integração entre sistemas de monitoramento da qualidade do ar e alertas fúngicos |
Conclusão
A aspergilose pulmonar invasiva associada a pneumonites virais é uma entidade clínica emergente de alto impacto. A qualidade do ar, frequentemente negligenciada como fator de risco, deve ser considerada componente crítico na prevenção e controle da IPA.
Os dados reforçam a necessidade de estratégias integradas entre setores de saúde, engenharia, urbanismo e meio ambiente. A abordagem da IPA deve transcender os muros hospitalares e incorporar uma visão ecoepidemiológica mais ampla e sistêmica.
Referência:
Dewi, I. M. W., et al. (2021). Invasive pulmonary aspergillosis associated with viral pneumonitis. Current Opinion in Microbiology, 62, 21–27. https://doi.org/10.1016/j.mib.2021.04.006