Boletim Técnico – Julho/2025
Ecoquest / MOFOPRO
Por Dra. Nelzair Vianna, PhD – Pesquisadora em Saúde Pública (Fiocruz)
Introdução
A qualidade do ar em ambientes internos (QAI) vem ganhando destaque crescente na saúde pública, especialmente após a pandemia de COVID-19, que evidenciou a importância da transmissão aérea de patógenos. Embora o contato direto e a contaminação de superfícies ainda sejam reconhecidos como rotas relevantes, a literatura científica mostra que a via aérea desempenha papel central na disseminação de vírus, bactérias, micobactérias e fungos — especialmente em espaços fechados e mal ventilados.
O estudo de Ijaz et al. (2016), publicado na American Journal of Infection Control, apresenta uma revisão abrangente dos fatores que influenciam a sobrevivência e disseminação de patógenos no ar, bem como das tecnologias emergentes de descontaminação. Este boletim sintetiza e organiza os principais pontos da pesquisa, fornecendo subsídios técnicos para aplicação em diferentes contextos.
1. Diversidade e características dos patógenos aerotransportados
Os microrganismos transportados pelo ar em ambientes internos incluem:
- Vírus: Influenza, Coronavírus (incluindo SARS-CoV e MERS-CoV), Rinovírus
- Bactérias: Mycobacterium tuberculosis, Staphylococcus aureus (inclusive MRSA)
- Micobactérias não tuberculosas: associadas a infecções oportunistas em indivíduos imunocomprometidos
- Fungos: Aspergillus, Penicillium, Cladosporium, entre outros
A viabilidade e o potencial infeccioso desses agentes dependem de:
- Carga inicial no bioaerossol
- Tamanho das partículas (aerossóis finos permanecem suspensos por mais tempo)
- Condições ambientais como temperatura, umidade e exposição à luz UV
- Presença de material orgânico que possa protegê-los
2. Fatores ambientais que influenciam a sobrevivência
Os parâmetros ambientais têm impacto direto na taxa de sobrevivência dos patógenos:
- Umidade relativa:
- Alta (>60%): favorece fungos e bactérias gram-negativas
- Baixa (<40%): prolonga a sobrevivência de vírus envelopados
- Temperatura: afeta reações bioquímicas e estabilidade estrutural dos microrganismos
- Ventilação: baixa renovação de ar contribui para acúmulo e dispersão prolongada
- Radiação UV natural ou artificial: provoca danos no material genético dos patógenos
- Material orgânico em suspensão: pode formar uma barreira protetora contra agentes físicos e químicos
Experimentos indicam que vírus respiratórios podem manter infectividade por até 90 minutos no ar, em condições controladas.
3. Tecnologias emergentes de descontaminação do ar
O estudo destaca a avaliação de diferentes tecnologias em câmaras de aerobiologia — estruturas fechadas que simulam condições reais e permitem medir reduções logarítmicas na carga microbiana.
Principais tecnologias abordadas:
- Luz UV-C germicida
- Inativação de até 99% de vírus como influenza e SARS-CoV-2
- Eficiência depende de dose, tempo de exposição e distribuição da radiação
- Ionização bipolar / plasma frio
- Reduz concentrações microbianas no ar e em superfícies
- Atenção a parâmetros de segurança ocupacional
- Filtragem HEPA
- Remove >95% de partículas ≥0,3 μm
- Eficaz contra esporos, bactérias e vírus ligados a partículas maiores
- Fotocatálise (TiO₂)
- Oxida compostos orgânicos voláteis (COVs) e inativa microrganismos
- Eficácia aumenta com uso de UV-A como ativador
4. Metodologia em câmaras de aerobiologia
O uso de câmaras de aerobiologia é considerado padrão-ouro para avaliação de tecnologias de purificação do ar.
Essas câmaras permitem:
- Controle preciso de temperatura, umidade e ventilação
- Introdução de microrganismos reais ou simulados (ex.: bacteriófago MS2)
- Medição do tempo de permanência e deposição em superfícies
- Comparação direta entre diferentes tecnologias ou combinações
Esse modelo experimental aproxima os resultados das condições encontradas em hospitais, escolas e ambientes ocupacionais.
5. Ambientes de maior vulnerabilidade
A análise do estudo ressalta que a aplicação de tecnologias de descontaminação aérea é particularmente relevante em:
- Hospitais e clínicas: redução de infecções associadas à assistência à saúde
- Escolas e creches: prevenção de surtos virais e fúngicos
- Residências com umidade elevada: mitigação de mofo e micotoxinas
- Ambientes climatizados (HVAC): manutenção deficiente aumenta risco de recirculação de contaminantes
Considerações finais
O artigo de Ijaz et al. demonstra que a via aérea é um vetor crítico para disseminação de patógenos e deve ser tratada como prioridade em programas de prevenção e controle de infecções.
A integração de estratégias — controle de umidade, ventilação adequada, higiene de superfícies e aplicação de tecnologias de purificação — oferece o maior potencial de mitigação.
A incorporação dessas medidas em políticas públicas e protocolos institucionais é fundamental para reduzir riscos em ambientes compartilhados, especialmente aqueles frequentados por populações vulneráveis.
Referência
Ijaz MK, Zargar B, Wright KE, Rubino JR, Sattar SA. Generic aspects of the airborne spread of human pathogens indoors and emerging air decontamination technologies. Am J Infect Control.2016;44:S109–S120.
Figura 1 Fontes de patógenos transportados pelo ar em ambientes internos e potencial para contaminação de superfícies ambientais. Essas fontes podem incluir humanos; animais de estimação; plantas; sistemas de encanamento, como vasos sanitários e chuveiros em funcionamento; sistemas de aquecimento, ventilação, aspiração, limpeza de pisos e ar-condicionado; ressuspensão de poeira acumulada; e ar externo. Os pontos amarelos e vermelhos representam patógenos humanos ou microrganismos inofensivos.humanos; animais de estimação; plantas; sistemas de encanamento, como vasos sanitários e chuveiros em funcionamento; sistemas de aquecimento, ventilação, aspiração, limpeza de pisos e ar-condicionado; ressuspensão de poeira acumulada; e ar externo. Os pontos amarelos e vermelhos representam patógenos humanos ou microrganismos inofensivos.
Figura 2 Câmara de aerobiologia com componentes essenciais (comprimento × largura × altura: 320,0 × 360,6 × 211,0 cm — 24,3 m³ [ 860 pés³ ] ). Reproduzido com permissão da Elsevier.